Proposta de lei

Durante o fim-de-semana, veio anunciado na comunicação social a proposta de lei do grupo parlamentar do Bloco de Esquerda (BE) relativa ao casamento.

Pese embora não conheça a referida proposta de lei vou tecer alguns comentários com base naquilo que tive oportunidade de ler nos jornais.

Pelo que anunciavam aqueles, este grupo parlamentar pretende facilitar ainda mais o divórcio, para tal feito sugere que se crie o “divórcio unilateral”.

Face à minha formação jurídica, tal conceito provoca em mim, de imediato, uma total repulsa.

Na lei processual em questões civis, podemos distinguir, entre outros, dois grandes grupos: o das acções relativas a direitos disponíveis, e o grupo das acções relativas a direitos indisponíveis.

Nas acções nas quais se apreciam direitos disponíveis, caso o réu (a parte contra quem é intentada a acção) não se pronunciar, não exercendo o seu direito ao contraditório, considera a lei que o alegado pelo autor é dado como provado – em termos legais, cria-se uma situação de revelia do réu – passando-se logo para a sentença.

Porém, para os direitos indisponíveis, como são os direitos relativos ao estado civil das pessoas, a lei considera, pela importância dos direitos em questão, que a parte a que pertencem tais direitos nunca renuncia aos mesmos. Ou seja, ao contrário da maioria das acções, nunca existe uma situação de revelia do réu, tendo sempre de existir um julgamento para a produção de prova do alegado.

O casamento é qualificado pela lei como contrato bilateral (envolvendo duas partes), exigindo-se para a sua celebração o cumprimento de uma forma especial.

O divórcio surge, cortando com o conceito de indissolubilidade do casamento católico, com base na liberdade contratual. Muito sinteticamente, não fazia sentido que todos os contratos pudessem cessar e o casamento, enquanto contrato, não pudesse.

No entanto, não por questões religiosas, mas sim por questões de segurança da própria sociedade, a resolução deste contrato, tem de envolver sempre as duas partes pois produz efeitos relativamente a ambas.

A lei consagra duas possibilidades para que esta se efective: a primeira é o divórcio por mútuo consentimento, e a segunda é o chamado divórcio litigioso. Nos dois tipos, ambas as partes têm sempre que ser ouvidas para que o divórcio possa ser decretado.

Mais, a lei considera que, no caso do divórcio litigioso nunca ocorre uma situação de revelia do réu, ocorrendo sempre o julgamento para que as duas partes se pronunciem.

Assim, logo numa análise jurídica preliminar e muito sucinta tal conceito proposto pelo grupo parlamentar do BE não é viável porque não é compatível com as regras gerais de direito, logo, foi certamente proposto por pessoas com pouca formação jurídica.

Depois, não é possível argumentar, como anunciavam as notícias, que o BE pretende acautelar que seja sempre possível o divórcio, ainda que tal seja apenas desejado por uma das partes. Uma vez mais, nota-se a falta de formação jurídica de quem elaborou tal proposta.

O regime consagrado pela lei permite que seja sempre decretado o divórcio em condições razoáveis (a violação dos deveres conjugais).

Não se pode argumentar que estas condições são muito restritas porque da mesma maneira que o casamento carece do preenchimento de algumas condições para a sua concretização, também carecerá de outras tantas para a sua resolução.

Por outro lado, as condições que a lei exige para o divórcio litigioso são, no mínimo, “saudáveis”, porque desincentivam o divórcio de ânimo leve – porque tal pode implicar ser condenado o cônjuge culpado pela dissolução do casamento, e suportar as eventuais consequências que isso implica.

É forçoso deixar uma brevíssima nota quanto ao casamento. Historicamente deve ser das instituições mais antigas da humanidade, que precede mesmo os conceitos de Estado, de Nação, e até o de Religião.

Tal instituição surgiu com diversas formas e diversos nomes em todas as civilizações que o Homem criou e, apesar das poucas diferenças, este instituto sobreviveu, e sobreviverá, ao tempo.

O conceito de família pode mudar, evoluir, o que, eventualmente, implica mudanças no regime ou no número de casamentos. Mas o casamento e a sua dissolução não são algo que possa ser muito reinventado como pretende o BE.

O Estado deve, ao contrário do que pretende o BE com a sua proposta de lei, incentivar o casamento, pois permite que exista “Família” – enquanto célula sobre a qual deve estar fundada toda a sociedade – mas também porque, e convém não esquecer, assegura a sobrevivência e continuação da espécie Humana – sejamos honestos o casamento existe, e existirá para assegurar a continuidade da espécie.

Mas também convém dizer que a Família tem um papel fundamental pois só esta consegue transmitir conhecimentos e conceitos que não se aprendem noutros meios.

Em face do exposto, é manifesto que a proposta de lei do BE é despropositada, e que está desfasada da realidade. Mais, tal proposta é claramente atentatória ao interesse público e nacional, estando, como tal, condenada ao esquecimento.

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