Analfabetísmo

No decurso da minha pouca experiência profissional, pelo menos no ramo da advocacia, as incumbências do estágio – refiro às escalas nos tribunais criminais – fizeram-me deparar com uma realidade que transparece uma clamorosa injustiça social que em pleno século XXI ainda não conseguimos resolver.

Enquanto defensor oficioso encontrei Arguidos que não possuem o mínimo indispensável de conhecimentos, de tal modo que mal conseguem se exprimir condignamente. Já não vou referir o aspecto e a falta de salubridade com que estes pobres coitados se apresentam perante o Tribunal Criminal, situação em que, diga o que se disser, deveriam procurar estar minimamente apresentáveis (refiro-me a banho tomado e uma roupa lavada), falo apenas de condições para se expressar e estar em Tribunal.

Na faculdade tinha contactado com colegas que provinham de alguns meios mais humildes e da “terra” que me reportavam e me alertavam (ao menino da cidade) que da cidade para o meio rural existe um fosso enorme que poucos conseguem transpor e que, mais grave ainda, este, nos últimos anos, tem estado a agravar.

De facto nunca duvidei de tais relatos, mesmo porque estes ilustres colegas merecem toda a credibilidade. Porém, aquilo que nunca imaginei foi que o campo existisse mesmo no meio cidade. Aqui não refiro a qualquer cidade, estou a falar de Lisboa, Capital do país!!!

Na última escala que fiz, deparei-me com sete Arguidos, todos de Lisboa, e todos eles praticamente analfabetos e sem o mínimo de condições económicas e sociais pu o mínimo de formação escolar ou liceal.

Ainda que não me agrade, compreendo que os meios rurais, pela distância e pelo afastamento da “cidade”, possam criar situações de carência educacional. No entanto, em pleno tecido urbano, aliás, no mais importante tecido urbano do país, no qual existem meios de transporte e meios educacionais, não se compreende, nem se admite.

Infelizmente a única ilação que se pode tecer é que existe um problema mais grave do que a falta de meios. Esse problema é, claramente, a falta de civismo, a falta de consciência social, e a pobreza social de que todos somos culpados, porque todos consentimos, de um modo ou de outro, que esta situação de facto permaneça.